Por que muitos pais têm com dificuldades em estabelecer limites para os filhos?
Quem nunca se deparou com aquela típica cena em uma loja ou mercado na qual uma criança faz birra por querer algo que os pais não podem ou não querem dar naquele momento? Se você está lendo este artigo é provável que tenha filhos e se tem filhos também é provável que já tenha passado por situação semelhante.
Em partes, isso tem a ver com a fase de desenvolvimento da criança, na qual é muito comum ela ter dificuldade de entender que não é tudo o que queremos que podemos ou devemos ter.
Contudo, por vezes a dificuldade de compreender o limite do que podemos ou devemos não se restringe a crianças em idades menores. Por vezes, crianças mais velhas, adolescentes e até adultos apresentam comportamento semelhante e obviamente que isso não tem relação com a fase do desenvolvimento cronológico, mas sim com o nível de amadurecimento do indivíduo, que não consegue sair de uma fase mais infantilizada onde tudo quer para uma fase mais madura em que se entende que não podemos ter tudo o que queremos.
E por que isso acontece? Em boa medida isso decorre da dificuldade que muitos pais têm de estabelecer limites aos filhos. E por que pais tem dificuldades de estabelecer esses limites? Vejo caso principais motivos para isso:
1. Pais não conseguem estabelecer limites aos filhos, pois não conseguem ver este ato como uma atitude de amor pelo filho.
Como pais, costumamos lidar com um mal-estar ao dizer não para algo que um filho quer e que podemos dar, ou quando não fazemos algo por eles que sabemos que poderíamos facilmente fazer. Esse mal-estar decorre normalmente de questões subjetivas dos pais, talvez de experiências infantis que tiveram com o não ter coisas que gostariam e que comumente os impulsionam a querer fazer essa reparação pessoal na vida dos filhos. Todavia, se você é pai ou mãe, entenda que quando não dá tudo o que seu filho pede, ou não faz por ele tudo o que poderia fazer, quando não priva o seu filho de passar por algumas dificuldades que são naturais da vida você está exercendo a nobre tarefa de prepara-lo para a vida; você está exercendo a difícil tarefa de amá-lo a ponto de suportar a angústia de vê-lo frustrado em prol de um bem maior para a vida dele.
Quando você diz eu não posso te dar isso agora, ou esse não é o momento para você receber isso você está passando a mensagem de que existe um tempo para tudo. Quando você coloca seus filhos para se responsabilizar por afazeres de casa que devem variar de acordo com a capacidade deles de assumirem essas responsabilidades você está passando a mensagem de que eles também precisam contribuir, que eles não são hospedes, são parte da casa. No final, não é a louça que importa, não é o lixo que deve ser levado para fora, não é a calçada a ser lavada, é a lição, é a mensagem que você passa de que na vida todos devem ter responsabilidades e que não vamos encontrar o tempo todo pessoas dispostas a fazer as coisas por nós.
2. Pais não estabelecem limites por conta da culpa que sentem por não dedicar o tempo que deveria aos filhos.
No mundo contemporâneo estabeleceu-se o ter como objetivo principal da vida da maioria das pessoas. Vivemos em função de ter uma casa melhor, um carro melhor, um “padrão de vida melhor” para nós e para a nossa família. No entanto, esse padrão de vida costuma custar caro para as relações, principalmente em termos de tempo de convivência. Muitos pais trabalham dez, doze, quatorze horas por dia para proporcionar uma “vida melhor” para os filhos. No entanto, esta vida melhor costuma consistir em uma vida distante dos filhos, por vezes relegados ao cuidado dos avós ou de babas.
Esse distanciamento, parece afetar especialmente as mães, mas os pais também podem sofrer com ele e uma alternativa que costuma ser encontrada para superar o sentimento de culpa por essa ausência costuma ser evitar frustrar os filhos durante os poucos momentos de convivência. Assim, as crianças relegadas ao cuidado dos avós, comumente mais tolerantes e permissivos do que os pais e as babas que costumam não ter a mesma autoridade para impor os limites necessários, estão entregues a própria voracidade (o querer sem limite), o que costuma não ter os melhores desfechos na adolescência e na vida adulta.
3. Pais tem dificuldades para estabelecer limites aos filhos porque não querem deixar que passem pelo que passaram.
Você já disse alguma vez a você mesmo: queria ter a cabeça que tenho hoje e uns 10 anos a menos, pois eu faria muita coisa diferente? Quando falamos isso, esquecemos naturalmente que foram as vivências que tivemos que construiu a nossa forma de ver a vida hoje. Foi o não ter o que queria que o fez apender a se mobilizar para conseguir. Foi o não ter quem fizesse por você que o fez aprender a fazer e talvez hoje você saiba fazer muito bem coisas que não imaginava ser capaz, pois o se permitir viver o fez amadurecer.
Pais que passaram por muitas privações na infância são especialmente suscetíveis a cair nessa armadilha. Não querem ver os filhos passar por nenhuma das dificuldades pelas quais passaram se esquecendo que foram essas dificuldades que contribuíram para que se tornassem as pessoas que são.
Enquanto pai e mãe é sua responsabilidade proporcionar maneiras de seu filho se desenvolver, aprender a “dar conta” de coisas novas, fazer o que não conseguia, se mobilizar para alcançar os seus próprios objetivos. Só que isso não será possível se ele sempre tiver tudo o que quer sem nenhum esforço, sem ter que lidar com o não ter. Obviamente que não me refiro aqui de privar seus filhos das necessidades básicas, mas sim em compreender que não ter tudo o que ele quer também vai ajudá-lo a se mobilizar para conseguir o que ele quer.
Quando os limites não são oferecidos pelos pais, os filhos tendem a trilhar caminhos em busca desses limites não sendo incomum que na adolescência e início da vida adulta tenham sérios problemas com as autoridades fora de casa pela dificuldade da compreensão e principalmente de aceitação dos limites que a sociedade vai impor.
4. Pais tem dificuldade de estabelecer limites porque ensinar dá mais trabalho do que fazer.
Muitas vezes os pais têm uma rotina tão apertada que não sobra espaço para ensinar os filhos a cumprir suas obrigações com a casa. Ai eles simplesmente vão fazendo todo o serviço de casa. O problema é que muitas vezes os filhos estão com 20 anos e os pais continuam fazendo todo o serviço.
Não é incomum alguns pais dizerem aos filhos que o seu trabalho estudar. Entretanto, estudar não é trabalho, estudar não contribui com o coletivo, estudar é algo para o indivíduo, algo que beneficia apenas ele. Os pais trabalham e mesmo assim precisam cuidar do serviço de casa, os filhos estudam e devem contribuir com o mesmo serviço de acordo a capacidade relativa a idade, pois isso imprime neles o senso de responsabilidade com o coletivo e não apenas consigo mesmo.
Costumo conversar com pais dizendo que precisam preparar seus filhos para um mundo em que dificilmente encontrarão parceiros de relacionamentos dispostos a fazer por eles tudo o que os pais costumam fazer e que isso pode inclusive se tornar uma grande dificuldade para a vida deles em termos de relacionamentos.
Como consequência da falta do exercício paterno de estabelecer limites, de ensinar responsabilidades para os filhos, de ensinar a dificuldade de algumas coisas da vida, temos observado frequentemente filhos que não respeitam seus pais e que não valorizam seus esforços. Temos observado indivíduos na adolescência que entendem que é responsabilidade dos outros a sua felicidade, pois quem tem tudo o que quer entende que viver não exige esforço.
Clayton Peixoto