Clayton Peixoto

Você já ouviu falar em abandono afetivo? Sabe o que significa? Quando se fala de abandono de filhos, a imagem que vem à cabeça é de um pai ou uma mãe que vai embora de casa e se esquece das suas responsabilidades com os filhos, especialmente no que se refere ao oferecimento de afeto a eles. No entanto, o abandono afetivo não ocorre apenas quando se sai de casa, atualmente existem muitos filhos abandonados afetivamente pelos pais que convivem com eles.

Segundo Grace Costa, autora do livro “Abandono Afetivo” o abandono afetivo consiste na “omissão de cuidado, de criação, de educação, de assistência moral, psíquica ou social por parte dos pais. ” No ano de 2015 um Juiz de Ribeirão Preto (SP) condenou um pai a indenizar por danos morais com a quantia de cem mil reais um filho que entrou com uma ação na justiça alegando ter sido tratado com frieza durante toda a vida e descrevendo o quanto a ausência da figura paterno o havia feito sofrer. Desde então, embora pareça não haver consenso nas decisões, outros processos semelhantes têm tido o mesmo desfecho.

Se juridicamente podemos ter a impressão de que abandono afetivo diz respeito a não estar presente, dando toda assistência necessária que um filho precisa, psicologicamente temos ainda outro importante aspecto para levar em consideração que, que traz importante impacto no desenvolvimento psicológico dos filhos, me refiro a responsabilidade dos pais em estabelecer limites.

Segundo a psicanalista Maria Rita Kehl: “crianças abandonadas não são necessariamente as crianças cujos pais não estão em casa o tempo todo para cuidar, os filhos de mãe solteira ou de pais separados. Crianças abandonadas são aquelas que os pais não se responsabilizam pela dura tarefa de impor limites a elas” São pais que deixam as crianças entregues a própria voracidade.

A criança é um ser cheio de voracidade, é natural dela, faz parte da sua fase de desenvolvimento psicológico o querer tudo que desperta o seu interesse. A mídia que entende que na maioria dos lares quem manda é a criança, estimula o querer natural dela para vender para a família. O problema é que a criança não tem a capacidade de discernir se o que ela que é realmente bom. Muitas vezes ela quer algo inapropriado, ou em quantidade inapropriada, ou no momento inapropriado e é papel dos pais discernir isso.

No sermão do monte, um dos mais famosos textos da tradição cristã, a seguinte pergunta é feita: “…qual dentre vós se o filho lhe pedir pão lhe dará uma pedra, ou se lhe pedir um peixe lhe dará uma cobra? ”. A resposta literal a esta pergunta é óbvia, no entanto, falando figuradamente, tem muitos pais deixando os filhos comerem pedras e escorpiões junto com os peixes e pães justamente por não exercerem a sua responsabilidade de colocar limites entre o que o filho quer e o que ele deve ter ou fazer, permitindo que ele tenha acesso a todo o seu desejo, mesmo a coisas que são extremamente prejudiciais para ele, mas que enquanto criança ainda não tem a capacidade de discernir.

Uma criança muito pequena não consegue analisar contextos. Quando ela vê algo que desperta o seu desejo ela simplesmente quer e quer naquele momento. Ela não consegue analisar o contexto e avaliar se aquilo é possível ou não naquele momento. Com o passar do tempo, essa criança se desenvolve e passa a entender não é tudo o que ela quer que ela vai ter. Essa percepção a faz se sentir frustrada, mas ela aprende a lidar com aquele sentimento e caminha para um amadurecimento. Quando esse maior amadurecimento se desenvolve, já mais próximo da adolescência, vai alargando a consciência de que mesmo coisas que ela quer e tem condições de ter, ela não deve ter ou fazer. Ou seja, uma fase de querer sem limites é substituída por uma de entender os limites do querer, até finalmente um senso moral ser desenvolvido. Mas por que vemos muitos adolescentes e mesmo adultos agirem como se não tivesse alcançado essa fase? Porque estes limites podem não ter sido estabelecidos de maneira adequada e/ou no tempo adequado. Os pais que não colocam limites, que não permitem que os filhos experimentem a frustração de forma educativa, não estão contribuindo para que eles mudem de fase. É a frustração, é o não na hora adequada que vai promover a inserção da criança no mundo real.

A criança que não recebe limites, que não aprende a lidar com a frustração vai continuar tendo comportamentos que visam encontrar esse limite até alcançá-los, em casa ou fora de casa. Em busca de obter o que deseja, ela vai chorar, depois fazer birra, depois bater e pode até matar ou si matar na busca de obter o que deseja e os exemplos na sociedade que estampam os noticiários infelizmente não são poucos.

Clayton Peixoto